Um navio de grande porte transportando 12 mil toneladas de ácido sulfúrico se acidentou em 28 de agosto de 1998 no Porto de Rio Grande, no litoral sul do Rio Grande do Sul. Por um problema de pressão nas bombas, a substância vazou no casco da embarcação e, posteriormente, em razão do risco de explosão, foi bombeada para o canal de acesso à Lagoa dos Patos e para o mar.
O navio Bahamas, com bandeira de Malta, ficou oito meses encalhado no Porto de Rio Grande até que as investigações se esgotassem e houvesse uma solução para o problema. A embarcação foi afundada a quinhentos quilômetros da costa. De lá para cá, diversas ações judiciais foram movidas. Na esfera trabalhista, uma delas foi julgada recentemente na segunda instância.
A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) decidiu que um servente que trabalhava no Porto de Rio Grande na época do acidente e teve câncer em razão da exposição ao ácido sulfúrico terá que receber indenização por danos morais, existenciais e materiais.
O caso
O servente, que trabalhou durante 41 anos como servidor público da Superintendência do Porto de Rio Grande, autarquia extinta pelo Estado em 2021, alegou que teve um câncer na laringe em razão da sua exposição ao ácido sulfúrico durante os oito meses em que o navio ficou encalhado. No processo, juntou laudos periciais que comprovariam a relação entre a doença e o período em que foi exposto à substância.
Os reclamados argumentaram que os laudos não concluíram pela relação de causalidade entre a doença do autor e o trabalho em contato com ácido sulfúrico, o que afastaria a configuração da responsabilidade civil.
Contudo, a partir das provas do processo e da literatura científica sobre o tema, o juiz da 4ª Vara do Trabalho de Rio Grande, Nivaldo de Souza Júnior, entendeu comprovada a relação de causalidade entre a atividade do servente e o acometimento do câncer de laringe. A sentença condenou o Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de R$ 100 mil a título de danos morais e R$ 100 mil por danos existenciais. Também determinou o pagamento de pensão vitalícia mensal no valor do último salário recebido antes do afastamento definitivo do trabalhador por benefício previdenciário, em 2017. A decisão retirou do processo a SPRG, em razão da extinção da autarquia, e também a União, por entender que ela não contribuiu para a ocorrência do evento nem possui dever legal ou contratual de reparar o dano.
O trabalhador e o Estado do Rio Grande do Sul ingressaram com recursos ordinários junto ao TRT-4. O servente pedia aumento dos valores fixados na sentença e o Estado contestava o mérito da decisão e sustentava a prescrição do caso.
O relator do processo, desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, decidiu por ampliar o valor da indenização por danos morais para R$ 400 mil. Ele manteve o que havia sido fixado na sentença em relação aos danos existenciais e à pensão vitalícia. “(...) entendo que não há dúvida quanto ao nexo de causalidade entre a doença sofrida pelo autor e a exposição ao agente cancerígeno, vapor de ácido sulfúrico, havido quando do acidente no navio Bahamas, com exposição diária por longo período, sem o fornecimento de qualquer equipamento de proteção eficaz”, diz o magistrado em seu voto.
Em relação à prescrição sustentada pelo Estado, o desembargador negou provimento ao pedido. Marçal Figueiredo destacou que, apesar do acidente ter ocorrido em 1998, não se trata de “acidente típico do trabalho (imediato), mas de dano físico percebido muitos anos após o fato, de modo que o marco inicial da prescrição, aplicável ao caso segue o entendimento da Súmula 278 do STJ”.
A súmula referida pelo desembargador prevê que "o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.
No acórdão, o relator explica que, tendo em vista o afastamento do reclamante em agosto de 2017, não sendo possível precisar o momento específico no qual ela teve ciência inequívoca da extensão e das consequências da lesão, e tendo sido a ação ajuizada em fevereiro de 2020, “por qualquer ângulo que se aborde a questão, não há prescrição total a ser declarada”.
Também participaram do julgamento os desembargadores Carlos Alberto May e Tânia Regina Silva Reckziegel. Cabe recurso contra a decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Fonte: TRT4/Secom
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